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sábado, 29 de janeiro de 2011

A abertura dos portos brasileiros: 1800 -1808: Uma colônia entre dois impérios



No dia 28 de janeiro de 1808, quatro dias depois da chegada da família real portuguesa ao Brasil, o príncipe regente D. João 6º promulgava sua primeira carta régia, que seria decisiva para o futuro da colônia: o decreto de abertura dos portos brasileiros.

Mas, nesse episódio crucial da história, Portugal e Brasil não passaram de coadjuvantes: o real protagonista foi o império britânico. A transferência da corte foi uma decisão arquitetada em Londres, em 1807, com a intenção exclusiva de atender aos interesses econômicos ingleses. E os portos foram abertos de fato a partir de 1800, por meio da ação violenta do contrabando.

Essas avaliações são algumas das principais contribuições à historiografia trazidas pelo livro A abertura dos portos brasileiros: 1800-1808: Uma colônia entre dois impérios, de José Jobson de Andrade Arruda, lançado no mês passado.

De acordo com Arruda, professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa que deu origem ao livro foi feita no âmbito do Projeto Temático Dimensões do Império Português, apoiado pela FAPESP.

“Documentos descobertos em estudos realizados recentemente em arquivos na Inglaterra me permitiram fazer uma abordagem explicativa que transfere aos ingleses o projeto de trazer a corte portuguesa ao Brasil”, disse o também pró-reitor da Universidade do Sagrado Coração, em Bauru (SP).

Segundo Arruda, o livro derruba a interpretação clássica sobre a razão essencial da transferência da corte para o Brasil. A maior parte dos livros atribui a fuga da família real à ameaça representada pela iminente invasão da península Ibérica pelas tropas francesas. “Com as novas descobertas, Napoleão Bonaparte deixou de ser uma explicação estrutural daquele episódio e passou a ser apenas uma explicação conjuntural”, disse.

A explicação estrutural, segundo o historiador, está em um projeto racionalmente arquitetado pelo Foreign Office britânico. A decisão da transferência da corte foi tomada em uma reunião da Convenção Secreta de Londres, assinada em 22 de outubro de 1807.

“Essa convenção, assinada pelo plenipotenciário português Domingo de Sousa Coutinho e por George Canning, secretário de estado dos negócios estrangeiros da coroa britânica, delineava o perfil das futuras relações comerciais entre Portugal, Inglaterra e Brasil”, afirmou Arruda.

Segundo ele, a pesquisa desvendou as motivações econômicas por trás desses acontecimentos. Durante séculos, os ingleses haviam se acostumado com saldos polpudos provenientes de transferências líquidas, na forma de metais preciosos, do tesouro lusitano para o britânico. Mas, a partir de 1790, o governo britânico foi surpreendido com uma inversão na balança comercial com Portugal.

“A razão para essa inversão estava no Brasil. O algodão da colônia portuguesa alimentava a indústria têxtil inglesa. E as mesmas moedas – feitas com o ouro brasileiro e com a efígie de D. João 4º – que haviam inundado os cofres ingleses, começaram a voltar para Portugal, a fim de pagar as importações de algodão”, explicou.

Portugal: industrialização iminente
O professor ressalta que, embora o Brasil colonial seja lembrado até hoje como exportador exclusivo de açúcar (que correspondia a 36% da mercadoria vendida para o exterior), a exportação de algodão era significativa (24%). “Tudo isso foi resultado da bem-sucedida política do marquês de Pombal, no fim do século 18, cujo intuito era combater o déficit comercial com a Inglaterra”, disse.

A balança comercial favorável era possibilitada por um novo padrão de colonização e acumulação, no qual a metrópole, em um contexto de industrialização, recebia matérias-primas estratégicas, como algodão e couros, e enviava manufaturas de volta à colônia.

“Era uma questão de oportunidades. Os ingleses acabavam de perder sua grande colônia fornecedora de algodão: os Estados Unidos. Precisavam então comprar o algodão brasileiro. Por outro lado, o Brasil não comprava mais manufaturados da Inglaterra, mas de Portugal, que estava no rumo de uma industrialização bem projetada”, afirmou.

Nesse contexto, a partir de 1791 os ingleses passaram a estimular o contrabando nas costas brasileiras, desrespeitando o monopólio português. Em 1800, com déficits cada vez mais elevados, iniciaram uma política ainda mais agressiva de contrabando. Naquele ano, entraram na barra do Rio de Janeiro 70 navios estrangeiros.

“Com o decreto de D. João, em 1808, o número foi o mesmo: 70 navios. Em 1809, foram 83. Isso mostra que desde 1800 houve uma abertura ilegal e que a carta régia teve mero caráter formal. Naquele ano, os gráficos mostram que a entrada de produtos portugueses no Brasil desmoronou”, apontou.

Em 1805, a Inglaterra iria mais longe: diante das necessidades financeiras ainda mais acirradas pela ofensiva napoleônica, George Canning projetou a ocupação do Rio de Janeiro – ou, alternativamente, Salvador – em uma expedição que contaria com 10 mil homens e seria realizada em 1806. Os documentos que comprovam esse projeto, segundo Arruda, foram descobertos na Biblioteca Pública de Londres.

O projeto de invasão, no entanto, não foi necessário. “Quando Napoleão decidiu invadir a península Ibérica, ele ajudou os ingleses inadvertidamente. A expedição com 10 mil homens foi desviada para a tomada de Montevidéu e Buenos Aires em 1807. E os ingleses assinaram, no fim daquele ano, a Convenção Secreta que os dispensou de invadir a colônia portuguesa”, disse.

A convenção, ratificada por D. João 6º e pelo rei da Inglaterra George 3º, estabelecia todos os passos a serem seguidos: a transferência da corte – que ocorreu 38 dias depois –, a abertura formal dos portos e os tratados comerciais de 1810.

“Os dados obtidos na pesquisa do projeto temático mostram que, do ponto de vista econômico, o principal impacto da abertura dos portos foi que o Brasil passou a ser fornecedor de algodão e consumidor de tecidos da Inglaterra, que substituiu Portugal nesse mister, ganhando o mercado brasileiro. O algodão brasileiro passou então a alimentar a industrialização inglesa, estrangulando a economia portuguesa”, disse Arruda.

A abertura dos portos brasileiros, segundo o autor do livro agora lançado, teve ainda outra conseqüência benéfica para os ingleses: destruiu a jovem indústria têxtil da França, que era a principal consumidora de algodão brasileiro até ali.


Fonte: Fábio de Castro / Agência Fape

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